Por Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima
Provavelmente o ponto mais importante do surgimento da Internet seja a possibilidade de todos passarem a ter voz; com amplitude tal que passou a ser possível obter repercussão mundial em poucos minutos. Este novo mundo de possibilidades expôs um problema grave: as pessoas (usuários da Internet) não estavam (e ainda não estão) preparadas para lidar com este novo mundo de oportunidades.
Os pensamentos materializados, antes restritos ao estreito círculo social da maioria das pessoas do mundo (núcleo familiar, núcleo de trabalho, clube, escolas/universidades e amigos), agora passa a ser acompanhado por mais de 4 bilhões de pessoas espalhadas por todo o globo terrestre. Se antes ninguém se insurgia em razão dos nossos pensamentos mais irascíveis, agora vivemos no parapeito entre a liberdade de expressão (que muitos ainda acreditam ser absoluta, em virtude de historicamente o homem comum nunca ter precisado se preocupar com suas opiniões pessoais, com exceção à imprensa) e a violação de direitos de terceiros.
Aliado a esta questão dos limites à liberdade de expressão, a Internet propiciou a alavancagem da antiga – e ainda bastante eficaz – tática de influenciar a coletividade utilizando-se de notícias que visam obter o resultado de “comportamento de manada”, consistente no fato de que quanto mais pessoas compartilharem um mesmo conteúdo, mais e mais se acreditará que ele é verdadeiro, principalmente se uma das vozes que compartilha for uma pessoa com grande repercussão e influência midiática.
Esta oportunidade de manipulação foi rapidamente compreendida, a ponto de, hoje, ser comum sua utilização através da propagação de notícias falsas (fake news). Dentre as diferentes finalidades da manipulação, talvez nenhuma delas seja mais problemática do que àquelas que visam afetar o processo eleitoral. Identificadas no Brasil pela primeira vez nas eleições presidenciais de 2014, elas não poderiam ter ficado de fora das eleições americanas de 2016 (Trump) e das eleições francesas de 2017 (Macron). Agora, chegam com tudo ao Brasil (2018) e em outros países do mundo, ameaçando todo o sistema democrático construído ao longo de séculos de muitas batalhas, suor e, literalmente, sangue.
Pior do que a existência delas, é a constatação dos interesses que as impulsionam. Nações manipulam as eleições em outras nações, tal qual restou comprovado ter feito a Rússia, nas eleições presidenciais dos EUA em 2016, com ataques à campanha da candidata Hillary Clinton. Já existem, hoje, pessoas e empresas especializadas neste tipo de “atividade”, que se utilizam de robôs (“boots”) travestidos de perfis virtuais falsos para criar e compartilhar estas notícias falsas.
O problema ganhou o mundo – e a atenção especial dos provedores de mídias sociais, como o Facebook -, e a tentativa de frear este tipo de divulgação se tornou uma das principais pautas globais desde o início de 2018. Enquanto o Facebook passou a admitir a possibilidade de os usuários denunciarem notícias identificadas como falsas (com posterior exclusão do autor da postagem e até mesmo de quem compartilha), Brasil (Tribunal Superior Eleitoral) e União Europeia criaram comitês para deliberarem sobre o tema.
Paralelamente, começam a aparecer projetos de lei que visam regulamentar a divulgação e o compartilhamento das notícias. Entretanto, alguns cuidados precisam ser observados em relação à tentativa de tutela jurídica.
A principal questão a ser observada é a existência de um liame muito estreito entre o controle prévio do conteúdo e a censura. A atual responsabilidade civil/penal dos provedores de Internet decorrente de conteúdo gerado por terceiros (hipótese clássica das mídias sociais) não impõe a eles o dever de controle prévio de eventual teor ofensivo, de sorte que eles não podem ser responsabilizados, ab initio, de qualquer dano causado por um usuário; a responsabilidade apenas surge em duas hipóteses: (i) se eles não forem capazes de identificar o autor do conteúdo ofensivo e (ii) se eles não removerem o conteúdo após notificação judicial (ou extrajudicial, em hipóteses bastante restritas). Essa ausência de responsabilização decorre exatamente do fato de que exigir o controle prévio, além de ser praticamente impossível em razão do volume de informações postados por minuto, acarretaria no risco da censura de conteúdos que não fossem verdadeiramente ofensivos (diante do risco, é natural que o filtro seja conservador na análise).
Existem, atualmente, Projetos de Lei no Congresso brasileiro que visam tutelar a questão. O PLC 6812/2017, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), propõem a criminalização da divulgação e do compartilhamento de informações falsas ou prejudicialmente incompletas (cuja pena seria a detenção de 2 a 8 meses e multa). Apensado a este projeto de lei, existem outros sete (PLC 8592/2017; PLC 9467/2018; PLC 9554/2018; PLC 9533/2018; PLC 9761/2018; PLC 9839/2018 e PLC 9884/2018), seis deles já de 2018, cujas propostas não são tão diferentes daquela enunciada acima, alguns deles (PLC 9467/2018 e PLC 9761/2018) imputando a responsabilidade aos provedores de aplicações de internet (o que, atualmente, é o posicionamento contrário adotado pelo Marco Civil da Internet).
A criminalização da conduta de “divulgar” e “compartilhar” notícias com conteúdo falso é problemática, na medida em que muitas vezes é complexo auferir se a notícia é realmente falsa (a menos que a falsidade decorra de algum fato absurdo e facilmente constatável). Um paralelo com as notícias falsas são os boatos, que marcam a história humana de forma constante. Anteriormente, entretanto, os boatos eram compartilhados às escuras, enquanto agora estes mesmos boatos recebem a alcunha de “fake news”. A punição precisa recair ao autor da notícia falsa, e não a quem compartilha (sob pena de se ferir direitos fundamentais da C.F.), e, tampouco, os provedores de aplicações de internet (risco claro de censura e de violação da liberdade de expressão).
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Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima é professor de Direito Civil, Direito Digital e Direito da Inovação da Universidade Presbiteriana Mackenzie (CCT). Doutorando em Direito Civil pela USP. Mestre e Especialista em Direito Civil pela PUCSP. Especialista em Direito Civil Italiano e Europeu pela Universidade de Camerino.
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