Por Lucio Nassaro
Há um encantamento geral com os novos meios de comunicação e não se nota que também o conteúdo discursivo se aperfeiçoa para produzir efeitos cada vez mais precisos, abrangentes, duradouros e cuja artificialidade se esconde.
Comunicação versus força
De fato, a importância da comunicação, em sua forma e conteúdo, está sendo melhor compreendida: a famosa imagem da natureza, aquela da floresta dominada pela lei do mais forte, está sendo substituída por um cenário natural de intensas trocas simbólicas com mensagens tanto verdadeiras como falsas e no qual codificar e emitir a mensagem correta e receber e decodificar com precisão as mensagens é tão importante ou mais que possuir força e tamanho. Os estudos de zoologia inicialmente centrados no prosaico mimetismo animal estão adotando conceitos mais amplos tais como comunicação animal e mesmo o de cultura para conseguir descrever fenômenos de insuspeita complexidade.
As revelações chegam ao nível microscópico: desde os anos 2.000, sob o nome quorum censing, se entende o processo pelo qual os microrganismos regulam a densidade populacional através de sinalização química. As moléculas químicas secretadas por microrganismos são uma forma de comunicação intra e interespécies que auxiliam as bactérias na coordenação do seu comportamento. Mais recentemente começou-se a descobrir a lenta e secreta comunicação das plantas: a engenheira florestal canadense Suzanne Simard tem divulgado que as árvores podem “falar” através de raízes ou de redes de fungos usados para a troca de mensagens químicas e nutrientes; outro engenheiro florestal, o alemão Peter Wohllebem informa que acácias africanas devoradas por girafas “avisam” outras acácias, através de moléculas levadas pelo vento, que devem secretar substância amarga para evitar o predador iminente; este engenheiro descreve a vasta e intrincada rede de comunicação entre árvores na região que estuda como uma wood wide web, algo como a internet das árvores.
Quanto ao homem, o antropólogo Robert Foley explica que seu cérebro começa a ser descrito não como um milagroso órgão capaz de pensar, mas como uma máquina de comunicar cujo alto consumo energético é compensado grandemente pela melhor adaptação do indivíduo à vantajosa vida social que, no entanto, rica de conflitos, lhe exige em contrapartida constantes e precisas codificações e decodificações.
Diferentemente dos animais adaptados ao combate, como o rinoceronte, o vulnerável e delicado corpo humano passa a ser descrito como uma verdadeira instituição semiótica, um agregado de refinados equipamentos de comunicação, de significação. Os músculos fisionômicos, os supercílios, o comprimento e flexibilidade dos braços e dedos, a brancura da esclera e dos dentes, por exemplo, produzem imagens para serem clara e rapidamente lidas e assim suas características não têm apenas função mecânica, mas também de comunicação: em termos evolutivos, quem melhor compreende e é melhor compreendido deixa mais descendentes. O dimorfismo sexual da nossa espécie também não deve necessariamente ao combate entre homens pelas mulheres; é possível que os homens maiores tenham simplesmente sido mais escolhidos pelas mulheres pela aparência. O mito do mais forte como líder também tem que ser repensado, pois alguém de porte mediano com talento comunicativo sempre agregará a força de apoiadores contra os fortes, mas solitários e incompreendidos.
Já Steven Mithen, com outros paleoantropólogos, conjectura que o homo sapiens, com o corpo humano moderno há cerca de 200.000 anos, passou por uma revolução cognitiva entre 70 e 60.000 anos que lhe permitiu dominar metáforas como nenhuma outra espécie. A habilidade de fazer uma coisa significar outra é comum na natureza: as abelhas dançam para sinalizar o achado de alimentos, os chimpanzés podem aprender uma centena de substantivos, mas o homem é capaz de um nível muitas vezes superior na arte metafórica de tomar e fazer que se tome algo por outro, decodificar e codificar sentidos complexos. O filósofo Daniel Dennett explica que o homem pode induzir a falsa compreensão de uma mensagem, ao manipular um segundo grau de intencionalidade. Mas ele também pode prever que sua manipulação será descoberta e usar isto dentro de uma estratégia mais ampla, o que mostra que ele é capaz de um terceiro grau de intencionalidade. Segundo o filósofo, o homem seria capaz de dominar cerca de cinco ou seis graus de intencionalidade.
Corpo e cérebro especializados na comunicação fazem do homem o ser mais mentiroso da natureza e obriga os especialistas a imaginar dezenas de milênios de punições sangrentas para reprimir a mentira e o engano e garantir a confiabilidade de úteis e econômicas trocas de sons que se sistematizam continuamente como língua. Comparativamente, os demais animais, entregues à permanente suspeita sobre a veracidade das mensagens um do outro, apenas acreditam naquelas que envolvam grande esforço físico como os urros de dor intensa ou fúria. Recentemente o historiador e best seller Yuval Noah Harari, em Uma breve história da humanidade, reivindicou os mitos, a religião e a economia como sistemas de crenças comuns que teriam permitido que os pequenos grupos de no máximo cem caçadores-coletores confiassem na palavra de estranhos e aceitassem integrar grupos de milhares; de fato, ainda hoje quem se declarar ateu, imediatamente é colocado sob suspeita como pouco confiável. Também os princípios da escrita podem ser compreendidos como esforços contra a mentira e a fraude, uma busca de solução para a necessidade de confiabilidade no comércio e depois na cobrança de impostos nas primeiras cidades.
Esta compreensão da vantagem seletiva dos indivíduos mais aptos na operacionalização do campo de signos em que vive substitui a visão de um processo de seleção natural puramente mecanicista fundado na força. Em consequência, nossa compreensão dos fatos histórico deve também ser mais sutil e devemos descartar como irrealista a compreensão histórica inocente baseada em personagens idiossincráticos, voluntaristas, fortes e cruéis.
Na igualdade, a comunicação prevalece
É necessário reler A Política de Aristóteles para vermos nas entrelinhas algumas constantes da política: que em algum momento toda sociedade cai nas mãos de um tirano; que todo tirano é obrigado a formar um grupo de sua confiança para manter seu poder e, assim, sempre se constituirá uma classe de nobres encarregados de administrar parcelas dos domínios do tirano; mas também que os laços de confiança podem se deteriorar e algum nobre pode ser eliminado pelo tirano. Como resultado, ele próprio, tirano, termina vítima de uma conspiração destes nobres, pois deixa de ser um garantidor de benefícios para se tornar uma fonte permanente de risco de morte para todos.
Este é o famoso fim violento dos tiranos; ocorre que em seguida ao tiranicídio, os nobres com seus apoiadores, em geral, veem a possibilidade de substituir o tirano e naturalmente se dividem em facções de iguais pretendentes que mergulham a cidade em um banho de sangue até que, esgotados, concluem que devem aceitar que um deles seja aceito de comum acordo como rei. Mas, lembrando-se de terem vivido sob o terror do tirano, compactuam que este rei apenas será tolerado se não se tornar um tirano e se continuar sendo um nobre como os demais, contentando-se com o privilégio de ser o primeiro entre eles, o princeps, o primeiro, primo inter pares.
A teoria dos jogos nos leva a entender estas constantes na realidade política descrita por Aristóteles e nos faz ver que o impasse, o equilíbrio entre as armas, o risco de mútuo extermínio exige que, na monarquia, os reis consultem um conselho de nobres ou que os nobres simplesmente formem uma oligarquia em que os iguais tomam decisões consensuais. Não há escapatória a não ser todos perderem. Nos dois casos, para se evitar os conflitos incontroláveis é preciso uma decisão coletiva e inescapavelmente por contagem de votos com cada nobre tendo direito a um voto. Ou seja, é uma realidade das coisas, uma condição humana que obriga, na igualdade de armas e sob ameaça de caos, que a luta pela supremacia seja transferida para o campo simbólico em que a arma mais eficaz será, inexoravelmente, a palavra.
Com Aristóteles e contra o senso comum e as aparências, vemos que a monarquia é invenção dos nobres e que o princípio democrático da igualdade fundada no direito individual surgiu primeiramente nas oligarquias e que este princípio é uma solução da elite político-militar para a superação do impasse dentro desta própria elite. Vemos que o princípio democrático é muito mais antigo do que pensavam os próprios cidadãos gregos do século V a.C. que o atribuíam uma criação original de Sólon, depois de longas e meditativas viagens. Vemos que o abandono do personalismo no estudo da história é exigido pela melhor compreensão do funcionamento dos círculos de poder. Vemos que, na reflexão sobre a história, a noção de poder pessoal deve abrir espaço para a noção de poder de coalizão. E em consequência, que a compreensão de uma coalizão é a compreensão do processo de criação de um consenso entre iguais, uma operação eminentemente simbólica, com palavras.
Não é preciso insistir que a literatura em geral é o consenso simbólico alcançado por uma classe dominante: quem detinha o poder preservou, mandou escrever, aquilo que era consenso entre seus iguais, era o discurso que mais persuadia. E a própria literatura fala desta sua origem política: já na Ilíada, da época dos reis gregos, Homero conta que o sábio centauro Chiron, mestre do jovem príncipe Aquiles, resumiu para seu aluno aquilo de que fora encarregado de lhe ensinar: a usar a espada e a falar com destreza na assembleia onde os homens se ilustram! Ou seja: a persuasão da palavra. Também com sua Eneida, Virgílio apresenta sob os escombros da República um herói modelar para a superação da Guerra Civil e para a reunião e novo consenso do povo romano sob o Império: Enéias é sobretudo um homem pio e reverente em relação à tradição e à ordem, sobretudo um ponderado inimigo da violência e cultivador do consenso nas inumeráveis vezes em que atua na obra com sua melhor arma, a oratória pública.
As duas maiores obras literárias greco-romanas, com todos seus mitos, retratam melhor a realidade que nossos apelativos filmes comerciais. Seus heróis não foram gênios além do bem e do mal, apenas emotivos e sangrentos, a quem o destino entregou um incondicionado poder pessoal. Eles integraram uma coalizão na qual foram capazes, com o estudo da arte oratória, a Retórica, de criar e manter um consenso em um círculo de iguais em poder. No mundo dos fatos, poucos ainda sabem que Alexandre, o Grande, foi aluno de Aristóteles, que segundo alguns, teve uma escola de retórica; que Péricles, influenciado pelo filósofo Anaxágoras era orador reeleito como principal estratego a cada ano pelo voto dos cidadãos atenienses; que Júlio César estudou oratória com o mestre retórico Apollonius Molon em Rhodes e lhe atribuem a autoria de cinco livros. Suetônio em seus Doze Césares mostra o refinamento da formação intelectual de romanos que a Igreja nos fez acreditar que eram todos bárbaros.
A retórica como arte da comunicação
Aqui é preciso esclarecer que os professores de todos estes grandes personagens, os mestres retóricos, são continuadores dos Sofistas, homens como Protágoras, Górgias, Pródicus, Hippias, Antifon, Trasímaco e Isócrates, que tiveram a honra de serem os primeiros a oferecerem uma formação intelectual no mundo grego para aqueles já alfabetizados, mas que foram estigmatizados pelos Filósofos que, desde Sócrates inauguram uma rígida pesquisa conceitual desprezando os conhecimentos tradicionais e míticos. Em vários diálogos escritos por Platão, os Sofistas são repreendidos por não buscarem, como eles, sistematicamente a verdade no estudo da Ética e da Política e de ensinarem apenas o que pudesse oferecer a aparência de conhecimento e fascinar os ouvintes. Atuais filósofos podem não gostar de saber, mas em alguns discursos do retórico Isócrates, por exemplo, esta disputa teórica entre Filósofos e Sofistas recebe claros contornos de uma disputa de mercado, pois tanto estes como aqueles eram professores profissionais remunerados dividindo o mesmo mercado exíguo de jovens pertencentes a famílias ricas.
No entanto, enquanto a Filosofia criticava os problemas da democracia, a Retórica tem uma história interligada com a ampliação da igualdade política em Atenas. É importante repetir que não há uma invenção datável e localizável da democracia, como pensa o senso comum, há revoltas dos cidadãos em muitas cidades do Mediterrâneo que culminam, como em Atenas, com o que pode ser melhor descrito como uma ampliação das oligarquias compostas por poucas famílias para acolher também cidadãos menos-ricos individualmente, mas com recursos coletivos suficientes para reivindicar este acesso com armas.
Ocorre que mesmo neste novo quadro de igualdade ampliada, com maior número de cidadãos com direito a voto, os antigos oligarcas conseguem manter sua proeminência, pois pagam os melhores mestres retóricos para ensinarem seus filhos a brilharem na assembleia. O ensino retórico privilegiado será também buscado pelos filhos do patriciado romano e novos ricos nos últimos séculos da República, sobreviverá durante o Império Romano nas disciplinas reunidas com o nome de Quadrivium e no milênio teocrático na Europa entre as Sete Artes Liberais, até reflorescer como Humanismo na Renascença, quando surgem as oligarquias mercantis e nobreza italianas que novamente têm a necessidade dos recursos retóricos nas disputas entre iguais em dinheiro e direitos. Então os humanistas, empregados destas novas oligarquias como Valla, Bruni, Poggio, Ficino, Erasmo e Maquiavel procuram, acham, traduzem e comentam grandes textos retóricos – e alguns filosóficos – incluindo a obra do maior dos oradores, Marco Tulio Cícero. A seguir os estudos retóricos encontram-se em cada um dos cursos das nascentes Universidades, incluindo Teologia, Medicina e Direito. Com as nações-estado, a elite dominante será alfabetizada em latim e grego para ter acesso ao patrimônio retórico e seus recursos verbais e ser capaz de brilhar na corte entre seus pares. Este é o sentido da presença dos bustos de grandes oradores antigos nas grandes bibliotecas europeias, um sentido não necessariamente democrático, mas oligárquico.
Assim, Sofistas, Retóricos e humanistas, e hoje aqueles que usufruem das Humanidades, pertencem a uma mesma tradição. Em oposição aos socráticos e platônicos, os Sofistas ensinavam que a busca do mundo das ideias não prepara ninguém para agir, e o que realmente importa é preparar o homem para vencer na vida em sociedade. E que entre iguais em armas ou direitos, a vitória será daquele mais capaz de persuadir, mais eficaz em sua eloquência. Afinal, há uma permanente disputa entre os homens pela glória e aquele que realmente a quer para si deve ser capaz de um discurso apto a obter a adesão da maioria. Tudo o que disser deverá ser simplesmente conveniente, pois não há comprovadamente ideais eternos, justiça e verdade. Há de fato convenções humanas que devem ser respeitadas para que se possa persuadir.
Deve ficar claro que a grande finalidade da retórica é a persuasão. Enquanto convencer é superar o outro, vencê-lo com argumentos ou truques verbais, o que pode ser humilhante em público a persuasão, longe da erística, da polêmica, se dedica a obter do outro a sua concordância voluntária, não imposta e, assim, não rancorosa, mas grata. A persuasão inclui a sedução que é o apelo ao que é irracional e trazido pelos cinco sentidos: os perfumes, as belas roupas, o penteado, os gestos, as expressões fisionômicas justas. Mas esta não é sua parte principal, que é eminentemente racional, discursiva, apelo à inteligência. A retórica também não pode ser acusada de manipulação, pois, quem persuade, em última análise, propõe um conhecimento, apresenta uma proposta de ação efetivamente capaz de beneficiar o ouvinte e oferecendo garantias de ser confiável. Seria manipular oferecer o que é melhor para o ouvinte e este assim o entender e aceitar? Quem decide e julga o discurso é o ouvinte. Naturalmente, apenas a médio e longo prazo, será possível verificar se a arte retórica teve seu uso legítimo ou foi usada para manipular, como fez Goebbels e aquele outro na Segunda Grande Guerra. Mas, mesmo neste caso, observe-se que foi o uso legítimo da retórica por Churchill, De Gaulle e Roosevelt que teve a eficácia de reunir forças superiores e vencedoras.
O quê, de fato, os Retóricos ensinavam? Qual é afinal o conteúdo do ensino de retórica? Que palavras tornam alguém persuasivo? Antes de tudo, são dois os segredos da arte retórica: não se deve dizer que se estuda retórica, pois isto causará suspeitas. E sobretudo, o comportamento do orador deve espelhar o discurso e não traí-lo, destruindo todo seu efeito persuasivo. A resposta pelo conteúdo virá do estudo comparado de muitos manuais de retórica, tais como Ética a Herennio, Retórica a Alexandre, etc. que leva a três itens principais: o ensino da tradição (religiões, história, geografia, política, comércio, leis, artes, etc.), das convenções (gestos, costumes, gramática, etc.) e de recursos expressivos variados (literatura, poesia).
A quem perguntasse sobre a sinceridade, estes antigos mestres sorririam e perguntariam: se alguém durante toda a vida se expressou e agiu convenientemente, para você e sua cidade, que diferença faz minha resposta? A pergunta é inútil ou de interesse religioso! Por outro lado, estes mestres ajuntariam: falando e fazendo sempre aquilo que é publicamente adequado, estes usos não se tornariam na pessoa uma segunda natureza? Para os mortais bastam os conhecimentos humanos, todas outras ambições estão reservadas aos deuses. Enfim, longe de buscar indefinidamente uma verdade platônica compreensível para poucos, a retórica promete a proeminência política àquele que, entre iguais, será capaz de propor um real benefício a quem ouve, criar consenso e resolver conflitos adotando posições éticas confirmadas, aos olhos de todos, pelas suas ações na vida pessoal. Não é isto que interessa à República? Não é isto que hoje chamamos de liderança?