A chamada “democracia representativa” está com os dias contados. Num futuro próximo, a sociedade começará a questionar a necessidade de eleger representantes para cuidar dos interesses dos cidadãos e a verdadeira Democracia será retomada. Essa é a opinião do professor, filósofo e pesquisador J. Vasconcelos, autor do livro Democracia Pura, que lançará sua 8ª edição, dia 1º de setembro, na Livraria Saraiva do Morumbi Shopping, em São Paulo/SP.
Ao longo de quase 50 anos debruçado sobre o tema, J. Vasconcelos investigou a civilização desde os primórdios, analisando inclusive algumas espécies de animais que vivem em sociedade, para entender o processo de tomada de decisão popular. Também estudou a fundo os fatores determinantes para o surgimento e a derrocada da democracia na antiguidade e na Idade Média para entender se e como ela poderia funcionar na sociedade atual.
O resultado de seus estudos foi transformado no livro Democracia Pura, que é hoje referência no tema em todo o país – seja entre professores, estudantes, filósofos, pesquisadores, grupos simpatizantes da democracia e até mesmo partidos políticos.
Na obra, J. Vasconcelos defende que a democracia é uma característica intrínseca do ser humano. Sempre que precisa decidir sobre algum tema relevante para a comunidade, o cidadão se pauta por dois fatores: a igualdade e a justiça. “Veja o que acontece num condomínio, por exemplo. As pessoas querem que os direitos sejam iguais para todos e que haja justiça. Pode até existir um ou outro que queira algo injusto, mas a maioria faz as escolhas baseadas nesses dois fatores”, ressalta.
De acordo com seus estudos, crendices e misticismo levaram alguns grupos a ter privilégio em relação aos demais cidadãos. E isso foi determinante para o fim da democracia. “Se todo cidadão tem o direito de opinar, quem tem prerrogativas sempre corre o risco de perdê-las. Por isso a democracia sempre foi combatida por grupos oligarcas”, afirma.
Ele exemplifica com dados históricos: na antiguidade, a democracia foi atacada por oligarcas e monarcas cheios de privilégios que dominavam Esparta, Pérsia e Macedônia. Algumas democracias sobreviveram, como a da Grécia, mas também foram derrubadas. Na Idade Média também há registro de democracia na Lombardia. “Mas era informal. Não havia nada escrito, nenhuma Constituição”, diz. Desta vez, duques e marqueses conspiraram e substituíram a democracia pela monarquia absoluta. “Novamente, vimos o ressurgimento da democracia, com a Revolução Francesa. Nesse período chegou a ser criada uma Constituição que instituía a democracia, idealizada por filósofos”, conta o professor. O período, porém, foi marcado por conflitos promovidos por nobres que se uniram a monarquias estrangeiras e a Constituição não foi implantada. Quatro anos depois, quando a paz ressurgiu na França, quem dominava o cenário eram os contrarrevolucionários, descendentes de nobres, que não queriam a democracia. “Optaram, então, pelo modelo existente na Inglaterra, que era basicamente uma oligarquia. E até criaram uma lei que instituía a pena de morte a quem falasse em democracia”, relata.
Quanto ao regime adotado atualmente em países como o Brasil, da representação política, J. Vasconcelos garante: “não é democracia”.
E explica: na década de 1930, os Americanos passaram a fazer intensa propaganda na qual apresentavam o sistema de representação política como “democracia”, em oposição a regimes autoritários, como o nazismo. As pessoas passaram a acreditar que a representação política era democracia, mas como podemos chamar de democracia um sistema pelo qual uma mesma pessoa representa grupos com anseios e opiniões tão diferentes?”, questiona.
Ele lembra que o uso da propaganda não é algo novo na história. O mesmo já havia ocorrido no Império Romano, que durante 400 anos disse ao mundo tratar-se de uma República, no entanto, nunca deixou de ser uma monarquia absoluta. “Dizem que uma mentira repetida mil vezes, torna-se verdade. As pessoas podem até acreditar, mas estamos longe de ter democracia no Brasil”, diz.
J. Vasconcelos é taxativo: eleições e relativa liberdade de expressão e de imprensa não são atributos determinantes para qualificar uma democracia. Esses fatores podem existir também em ditaduras e oligarquias moderadas.
Corrupção e demagogia
O professor também é categórico quanto à figura do demagogo – aquela pessoa que usa o poder do discurso para manobrar a opinião pública. “É um inimigo mortal da democracia”, afirma.
De acordo com suas pesquisas, foram os demagogos que induziram a população a cometer erros e injustiças na antiguidade. “Cerca de 90% das atitudes tomadas pelo povo naquela época foram justas, certas ou muito próximas do correto. Observamos que sempre que injustiças foram cometidas, foram promovidas por ação de demagogos, que inflamaram a massa e incutiram ideias prejudiciais à própria sociedade”, aponta.
Já a corrupção, ensina, pode existir em qualquer regime, inclusive na democracia. “Na Grécia antiga também existia corrupção, mas os gregos resolviam isso impedindo a reeleição, com mandatos mais curtos (geralmente um ano) e controle dos poderes pelo cidadão. Ou seja, qualquer pessoa podia pedir em assembleia abertura de processo contra a autoridade que apresentasse indícios de corrupção”, lembra.
Na opinião de J. Vasconcelos, o regime de representação política favorece a corrupção, especialmente no Brasil, que garante um poder absoluto aos políticos.
Como seria a democracia hoje
No início da década de 1980, J. Vasconcelos pensou abandonar a ideia de Democracia. Ele não encontrava solução que apontasse um caminho para a tomada de decisão pelo povo. “Como reunir em praça pública uma nação de quase 100 milhões de pessoas?”, perguntava-se.
A solução veio com o surgimento da internet. Na obra, o professor explica em detalhes como é possível adotar a democracia pura até mesmo em grandes nações (tanto territorial quanto populacional), com o uso dessa ferramenta para permitir a participação de todos os cidadãos.
No livro, ele detalha como se daria a participação popular na definição dos assuntos a serem discutidos, na apresentação das opiniões e até nas decisões finais sobre cada tema. Para que houvesse democracia, todo cidadão deveria ter o direito de se inscrever para um cargo público, se assim o desejasse. Se houvesse mais candidatos do que vagas, o sorteio seria a solução mais justa.
A internet permitiria que os cidadãos apresentassem suas opiniões sobre os mais variados assuntos, de maneira organizada. Um Comitê de Triagem, formado por pessoas escolhidas por sorteio, agruparia os assuntos e estabeleceria prazos para o recebimento das propostas dos cidadãos e elaboraria a tabela SHP (Sistema de Habilitação e Pontuação) na qual o povo analisaria os aspectos positivos e negativos de cada questão.
Na proposta de J. Vasconcelos, para que haja democracia, as decisões devem se basear em um sistema objetivo e racional, como o SHP. “Na eleição, por exemplo, os assuntos são colocados dentro de imagens. Isso leva o cidadão a decidir de acordo com seu sentimento. No SHP a pessoa precisa pontuar aspectos positivos e negativos, levando a um resultado racional. Em experimentos que fizemos, os resultados do SHP surpreenderam até mesmo os participantes. A pontuação apontou para soluções que divergiam de suas crenças ou convicções políticas”, conta.
Controle do poder
J. Vasconcelos também destaca a importância do controle do poder pelo cidadão. “Para ter democracia é preciso ter controle dos poderes. Não basta o cidadão participar. Ele precisa também controlar. Sem isso, as propostas apresentadas podem não ser seguidas ou ser deturpadas pelos executores”, ressalta.
Esse dispositivo, diz ele, já era observado nas democracias da antiguidade, chegando a ser adotado até mesmo em Esparta, que era uma oligarquia. Mas não é adotado, por exemplo, na Suíça, que tem um sistema de democracia direta. “Podemos dizer que a democracia suíça é inferior à da antiguidade. Lá não há controle dos poderes pela população. Quem controla são pessoas concursadas ou nomeadas por grupos, mas não o povo”, afirma. Outro fator que enfraquece a democracia Suíça na opinião de J. Vasconcelos é o fato de as propostas serem apresentadas por um seleto grupo e não pela população. “Na democracia pura não existe essa possibilidade. Todo cidadão deveria ter o direito de apresentar sua proposta para que fosse apreciada por todos os outros”, enfatiza.
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