Por Cíntia Cury
Nestes últimos dias antes da eleição, a Revista Estratégia te convida para uma reflexão sobre o Brasil e uma análise de seus candidatos a deputado – estadual e federal, senador e à presidência da República.
Esqueça por cinco minutos suas convicções, partido político de preferência, quem você considera herói ou bandido, seus vínculos pessoais, profissionais ou políticos com seus candidatos. Vamos pensar apenas nas questões relevantes ao nosso país e lembrar de que ainda há tempo de cobrar posições e propostas de nossos candidatos.
Para essa análise, trouxemos informações colhidas em debate promovido pelo canal Por quê? Economês em bom português, com as economistas Ana Carla Abrão, Elena Landau e Reina Latif, realizado em São Paulo na semana passada.
O Brasil tem questões urgentes a serem resolvidas pelos próximos eleitos. Temos 13 milhões de desempregados; a situação fiscal do país está em colapso: há cinco anos o país gasta mais do que arrecada, sistematicamente; nossa dívida pública está nas alturas (77% do PIB segundo o Banco Central e quase 86% nos cálculos do FMI). Também se somam aos nossos inúmeros problemas o déficit da Previdência, a má qualidade da Educação, a desigualdade social, a escassez de recursos para a Saúde, a Segurança Pública, Infraestrutura, etc.
Aos eleitos – tanto presidente da República quanto integrantes do Congresso – caberá conduzir muitas Reformas, todas urgentes e necessárias para que o país possa alcançar a estabilidade.
“Passamos muito tempo empurrando as Reformas com a barriga porque o país cresceu e parecia, para as pessoas, que tudo ia muito bem. Foram 10 anos sem reformas. Não é à toa que chegamos a essa situação”, explica Zeina Latif. “o ponto é que chegamos numa situação em que ou se faz as Reformas necessárias, ou o Brasil não vai para a frente. Quanto mais difícil for encarar a necessidade de Reformas, mais teremos que fazer outras Reformas e de forma mais rápida para evitar a situação em que estamos agora. Saídas milagrosas não funcionam. Ja tivemos experiências parecidas no passado. Não tem jeito. É preciso fazer a lição de casa”, completa.
Ela ressalta que o que diferencia países ricos de outros na mesma situação que o Brasil, com tantos desafios sociais, é a capacidade de fazer Reformas. “Os desejos e necessidades da sociedade mudam com o tempo. A demografia também muda. O Brasil, por exemplo, está envelhecendo. Países que conseguem crescer e ter mais justiça social são aqueles que têm uma dinâmica de permanente quadro reformista. Não podemos encarar as Reformas como algo necessariamente negativo, porque não é. É condição para que o país avance, tenha mais crescimento e justiça social. Ainda que as Reformas pareçam desagradáveis, o cenário alternativo, o empurrar com a barriga, é pior”, diz Latif.
A economista também chama a atenção para o perigo da volta da inflação descontrolada, como ocorreu nos anos 1980. “Naquela época, o governo tinha dificuldade de rolar sua dívida por um problema muito grave nas contas públicas e o resultado era a inflação persistente. Quem financia a dívida pública somos todos nós, que temos investimentos, poupança, de alguma forma atrelada a título público. É importante entender que numa situação de calote do governo, quem perde não são os banqueiros, mas esses poupadores e, principalmente, quem tem fundos de pensão”, esclarece.
Para quem não viveu aquele período, é difícil imaginar uma situação na qual os preços sobem de forma persistente e sem controle, diariamente. Mas é fácil entender quem perde: os assalariados, já que a inflação elevada faz os salários perderem rapidamente o poder de compra.
Na opinião de Latif, embora os jovens não saibam exatamente o que é inflação, eles não aceitam que essa situação seja retomada. Para ela, as manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus em 2013 são prova disso. “Os jovens que foram às ruas, sem saber, estavam protestando contra a inflação. Não era apenas a tarifa do ônibus que estava aumentando. Os custos estavam subindo. Naquela época, só a inflação de produtos alimentares já estava em 15% ao ano. A inflação perturba até mesmo aqueles que não a conheceram”, observa.
Ana Carla Abrão chama a atenção para a importância dessas eleições. “É preciso ter consciência de que essa é possivelmente a eleição mais importante que nós todos já vivemos. Em 1989, quando votamos para presidente pela primeira vez depois de 25 anos de ditadura, foi um momento importante. Acho que nesse 7 de outubro precisamos entender que estamos vivendo um momento em que o Brasil está se perdendo. Estamos numa situação em que realmente precisamos tomar consciência de que nosso voto vai definir o nosso futuro e pode definir para um futuro muito ruim. Temos a responsabilidade de tomar essa decisão. É claro que vivemos numa democracia e temos que respeitar a decisão da maioria, mas é muito importante que a gente tome essa decisão de forma consciente, sabendo que Brasil a gente quer”, diz.
Ela destaca que o próximo governo deverá ter disposição para fazer com urgência em três Reformas: da Previdência, Tributária e do Estado. “A Reforma do Estado tem três pilares principais. O primeiro deles é recuperar a capacidade de planejamento. É preciso ter uma visão de longo prazo, isso faz com que se aloque os recursos de formas mais eficientes. O segundo, é avaliar as políticas públicas, saber se as ações de governo estão atingindo os resultados desejados. E a outra é avaliar a questão administrativa”, diz. Ela explica que, hoje, em média 70% da arrecadação dos estados é gasta com o pagamento dos salários dos funcionários públicos. “Grande parte das receitas vai para o pagamento dos gastos obrigatórios, que são a previdência e despesas com pagamento de pessoal. Falta dinheiro para tudo. Em alguns casos, até para os salários. Cada vez mais, a qualidade do serviço púbico vai se deteriorando. Estamos chegando numa situação de colapso da máquina. E quem mais sofre são os que dependem dos serviços públicos. Um Estado disfuncional como o nosso reforça a desigualdade. O Brasil é o terceiro mais desigual do mundo e tem um Estado que reforça essa situação de desigualdade. A Reforma do Estado tem que tentar tirar esse engessamento dos gastos. Temos muitos gastos obrigatórios que não necessariamente estão sendo alocados da melhor forma possível. É preciso racionalizar os gastos. É como na casa da gente, não dá para parar de pagar, mas dá para racionalizar”, explica.
Na área da Educação, as economistas chamam a atenção para a questão da gestão. O Brasil gasta 6% do PIB com educação, o mesmo ou mais que países desenvolvidos aplicam na pasta. Mesmo assim, nossos índices de qualidade estão entre os piores em todas as avaliações internacionais. Isso ocorre, na opinião de Ana Carla Abrão, porque nosso modelo é que está errado. “Chegamos numa situação em que o professor que não é bom, não pode ser demitido. O que é bom, não conseguimos valorizar. E aquele que é bom, mas precisa de capacitação, também não temos condições de aperfeiçoar. Entramos num círculo vicioso que está ruim para todo mundo”, diz.
Quanto ao déficit da Previdência, Elena Landau acredita que o próximo governo não sairá do zero, já que o assunto foi muito discutido pelo atual governo. Questões como idade mínima, tempo de contribuição, igualdade de tempo de contribuição para homens e mulheres e a diferença de regime entre iniciativa privada e setor público, foram amplamente discutidas, discutidas, e embora a proposta atual esteja um pouco desidratada.
O alerta das economistas, porém, é para saídas alternativas propostas por alguns candidatos, como aqueles que pregam que não há necessidade de se fazer a Reforma da Previdência, basta o país retomar o crescimento que aumenta a arrecadação com os impostos e, com isso, suprir a previdência, resolvendo o desequilíbrio. Isso não vai acontecer. O déficit já existe e não vai simplesmente desaparecer. “Não tem milagre. Não dá para achar que é só uma questão de boa vontade e está tudo resolvido. Não é isso”, diz Latif.
Também há aqueles que defendem a troca do regime atual, no qual os trabalhadores da ativa financiam a aposentadoria dos que os antecederam (regime chamado de repartição) pelo regime de capitalização, no qual a contribuição de cada trabalhador é reservada para sua própria aposentadoria no futuro. O problema, porém, é que existe hoje um déficit entre o que é arrecadado e o pagamento dos benefícios e o governo não tem recursos para arcar com as despesas de quem já está aposentado no caso de troca do sistema.
“A questão da capitalização, que vem sendo citada por alguns candidatos, é importante porque incentiva as pessoas a poupar, mas desvia a atenção para um avanço que tivemos na discussão sobre reforma da previdência”, diz Landau.
Já Latif considera essa proposta inadequada para o atual momento do país. “Se essa proposta tivesse sido feita lá atrás – o Chile, pode exemplo, fez isso na década de 80 – ficaria mais fácil. Mas hoje, do jeito que estamos, tecnicamente é muito mais desafiador. E politicamente também porque tem que passar pelo Congresso. É assim que a democracia funciona. Não é o presidente que vai bater a mão na mesa e sair aprovando. Vai ter que dialogar, conversar com a sociedade, explicar muito. Vai ter que sentar com as organizações sociais, com os congressistas. E tudo isso, muito rapidamente. Não dá para esperar”, ressalta.
O que procurar no discurso e no programa de seus candidatos
Cada pessoa tem suas convicções e opiniões com relação aos políticos nos quais vai votar e naqueles que jamais votaria. É certo que todos os eleitores querem o melhor para o país e acreditam que estão fazendo as melhores escolas, mas é preciso identificar se os candidatos que você está prestes a escolher apresentam discursos e propostas coerentes com as necessidades dos país.
É claro que os programas dos candidatos a presidência, por exemplo, são muito superficiais. A maioria traz apenas diretrizes do que o candidato pretende realizar. No caso dos parlamentares, a situação é ainda mais difícil. Mas numa época como a nossa, com todas as facilidades da internet e informação ao alcance da mão, não custa pesquisar sobre os seus candidatos.
Preste atenção na visão que seu candidato tem do país e dos problemas que enfrentamos. “Uma boa regra para avaliar os programas de governo é olhar com atenção para aqueles que negam que o Brasil precisa de reformas, que o país tem problemas, aqueles que vendem o sonho de que está tudo bem”, diz Ana Carla Abrão.
“O candidato que fala que vai aumentar as verbas para saúde, educação, segurança, reduzir a carga tributária, valorizar a carreira do funcionalismo público, ou ele está mentindo ou ainda não entendeu a realidade do Brasil. Não tem espaço para aumentar a verba para nada. Agora o discurso tem que ser de racionalização, de gestão. Não tem mais recursos para por na saúde, educação, segurança. Não se trata disso. Trata-se de ter diagnósticos corretos sobre cada um de nossos problemas e melhorar a gestão, porque tem muita coisa que precisa ser feita, algumas com apoio do Congresso, outras com gestão. Essa agenda de só aumentar recursos, esqueça. Não é isso”, complementa Zeina Latif.
“Tem muito candidato vendendo terreno na lua. Dizendo que vai resolver tudo sem sacrificar ninguém, sem mudar nada. Vai ajustar tudo com uma varinha de condão”, observa Elena Landau. Na opinião da economista, é preciso analisar o programa como um todo, olhar o que o candidato pensa sobre o papel do Estado, poupança, quais as reformas que ele está pensando em fazer, de que forma ele vai atacar desequilíbrios do conflito distributivo, como ele vai olhar para as minorias. “A sugestão é olhar a filosofia do candidato”,diz.
“O país precisa de uma agenda de ajustes que não é fácil. Não basta criar um imposto, uma CPMF. Se fosse só isso, já teria sido feito. O problema agora é muito mais grave. A primeira coisa a olhar é se o próximo presidente vai ter capacidade de diálogo, enfrentamento e negociação no Congresso. Se o presidente não estiver aberto ao diálogo para fazer os ajustes que precisam ser feitos e para negociar no Congresso, ele pode ter o melhor ministro da Fazenda que vai complicar. Uma dose de humildade e de envergadura política para fazer esse diálogo é essencial”, enfatiza Zeina Latif.
Ela destaca que é importante desconfiar de discurso de salvadores da pátria e também chama a atenção para o grau de radicalização das pessoas nesta eleição. “Essa divisão do país está nos fazendo muito mal. O país precisa ter a capacidade de divergir, mas com respeito pelo outro. O mínimo de coesão da sociedade vai ser essencial para conseguirmos aprovar essas reformas. É muito importante baixar a temperatura”, aconselha.
Landau também chama a atenção para temas que tiram o foco das discussões que os candidatos realmente deveriam ter com a sociedade. “Toda eleição vem essa discussão sobre o aborto. Essa é uma discussão equivocada porque não é a opinião do presidente que vai mudar uma política desse tipo. Essa é uma questão do Legislativo. O que o presidente pensa sobre o aborto é tão relevante quanto o time de futebol que ele prefere. É essa mania de achar que o presidente vai resolver tudo sozinho. Não vai”, informa.
Quanto aos candidatos a deputado e senador, Ana Carla Abrão chama a atenção para a necessidade de pesquisar e procurar saber quem são os candidatos. “A composição do Congresso é fundamental para que as coisas aconteçam, então, gastar um tempo pesquisando, entendendo quem são as pessoas e quais são suas propostas é importante. Tem muita gente tentando entrar na política de forma legítima, com muita vontade e preparo”, afirma.
Veja a matéria nas páginas 12 a 17 da Revista Estratégia